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O GLOBO - Melhor para a segurança  31/12/2014

 

Antonio Rangel Bandeira

Forças representativas da sociedade brasileira se mobilizaram em defesa do Estatuto do Desarmamento no Congresso Nacional

O risco de o controle de armas no Brasil ser extinto foi afastado. Contra uma manobra parlamentar da bancada da bala, visando a revogar o Estatuto do Desarmamento, forças representativas da sociedade se mobilizaram em sua defesa. Atendendo aos apelos dos que se dedicam, e se importam, com a segurança pública, a presidência do Senado suspendeu a comissão e o substitutivo foi arquivado. Pelo menos até a próxima legislatura.

Manifestaram-se, pressionando o Congresso na defesa do Estatuto, a Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais, que representa os oficiais da PM e do Corpo de Bombeiros; a Associação Nacional dos Praças da PM; a Polícia Federal, que tem maior papel na implementação da lei; os secretários de Segurança de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo; o Conselho Nacional de Segurança Pública, que reúne representantes dos organismos de segurança pública e entidades civis. Em suma, os órgãos e corporações responsáveis pela segurança pública do país fizeram ver ao Congresso que a revogação do Estatuto seria um retrocesso no combate ao tráfico de armas e na redução dos homicídios.

A esses, juntaram-se as ONGs da Rede Desarma Brasil; os acadêmicos dedicados ao estudo do impacto das armas na sociedade; a Igreja Católica, cujo apoio já havia sido manifestado pelo Papa Francisco, levando Frei Beto a afirmar que “a revogação do Estatuto será um tiro no pé”; o ministro da Justiça; e os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula.

Tamanha mobilização fortaleceu os parlamentares que, sob a liderança dos deputados Alessandro Molon (PT-RJ) e Paulo Teixeira (PT-SP), receberam o apoio das lideranças do PSDB e do PSOL, na denúncia das irregularidades cometidas pela comissão especial, criada pelo lobby das armas para destruir o Estatuto. Essa comissão, composta em sua maioria por 14 parlamentares que tiveram suas campanhas financiadas pela indústria de armas e munições, segundo o TSE, tramou o golpe contra a lei. Pisoteando o regimento interno, impediu o debate e conspirou para votar, no último dia de trabalhos do Congresso, o substitutivo ao Projeto de Lei 3.722, que acabava com o controle de armas no país, visando a impulsionar suas vendas.

Em sua proposta, os lobistas utilizaram informações desacreditadas da American Civil Rights Union, que acusa o presidente Obama e a ONU de serem “comunistas”. Torturando os números até que dissessem o desejado, a proposta responsabilizava o Estatuto pelo aumento dos homicídios “nos últimos 30 anos”, quando a lei tem apenas 11. Ora, as pesquisas dizem o contrário. Segundo Gláucio Soares (Uerj e Universidade da Flórida) e Daniel Cerqueira (Ipea), entre 1980 e 2003, o número de homicídios por armas de fogo aumentou em média 8,36% cada ano; mas, entre 2003 e 2013, essa média caiu para 0,53%. Isto é, antes do Estatuto, tínhamos 15 vezes mais mortes.

Soares e Cerqueira acabam de concluir a mais abrangente pesquisa sobre o tema, calculando que 121 mil vidas foram salvas — estudo que em breve irão divulgar em detalhes.

É preciso que passemos a exigir o cumprimento integral do texto, como a fiscalização da venda de armas, e que o aperfeiçoemos, pois outros países que nele se inspiraram avançaram, por exemplo, na marcação de toda a munição vendida, para permitir seu rastreamento, como na elucidação do assassinato da juíza Patrícia Acioli.

O estatuto foi promulgado no fim de 2003. Agora, a sociedade o defendeu, também durante os festejos de um novo ano, quando celebramos a fraternidade e a paz, em benefício da segurança da família brasileira.

Antonio Rangel Bandeira é sociólogo do Viva Rio e da Rede Desarma Brasil