Educar para Paz é incentivar as crianças a serem felizes. Não incentivar a crianças a brincarem de fazer “Guerra” ou com Brinquedos Bélicos. A mudança de uma cultura de violência para uma cultura de paz e uma questão de atitude no dia a dia. Este artigo do Cheida gostosamente faz esta reflexão.
VEJA NO ORIGINAL NA FONTE: http://cheida.com.br/recado.php?idrecado=35
PAZ
De carteira em punho, rumei para a loja de brinquedos. Véspera de Natal, a criançada em casa, salivando pelas novidades de logo mais à noite.
Seguia lembrando meus natais, regados a presentes de estalar os olhos como ovo na frigideira.
Às vezes, ganhava bolinhas-de-gude. Coloridas! Com elas, enchia os bolsos da calça-curta; com uma tampa de sodinha cavava um buraco na terra batida, um círculo ao redor, e partia para cima dos colegas. Durante dias, quando a noite já nos chamava para o banho, de mãos sujas, meia-lua da unha do dedão escavada de tanto atritar nas bolinhas, cada um de nós chegava em casa com os bolsos forrados de gude. Ou vazios. Desenhados no marrom da cara, o branco dos dentes atestava nossa felicidade.
Às vezes, ganhava peão de madeira. Molhava de cuspe a ponta do prego e por aí começava a enrolar a fieira. Dava voltas justas até chegar ao topo. Amarrava o resto da fieira na mão, mirava com um dos olhos os peões adversários, quebrava o organismo para trás, soltava a manguasca do braço e a peça saía zunindo. O peão que arrancasse do círculo, era meu.
Depois, as habilidades: pegar peão no v dos dedos e obrigar o bichinho a girar na palma da mão; rodá-lo na unha do polegar; enrolar a fieira enquanto girasse, jogá-lo para o ar e, depois, equilibrá-lo na testa... Da última vez que raspei a cabeça, dei de cara com a marca esquecida de um peãozinho de estimação que teimou girar errado em cima do meu couro.
Às vezes, ganhava um bilboquê. Se não ganhasse, fazia um com lata de extrato de tomate. Duas delas e um barbante, virava telefone. Bilboquê de verdade era de madeira, difícil de encaixar. De tanta pancada, deixava roxa as costas da mão. Apesar disso, ninguém desprezava jogar uma queda...
Às vezes, não ganhava nada. Não era bom, mas acontecia. Nestes casos, ia rodar meu pneu; rodar aro de bicicleta; ia pastorear as buchas colhidas na cerca que, com palitos de fósforos enfiados como pernas, eram as vacas do meu rebanho; ou ia lá, num faz-de-conta qualquer que na meninice dos meus prá lá de doze anos servia para brincar de pé-na-lata, esconde-esconde, mãe-da-rua ou qualquer brincadeira que até hoje me fazem feliz.
Às vezes, ficava calado e de barriga para cima, olhando urubu brincar de roda no céu, sem bater as asas; ou adivinhando que disfarce de bicho estava em cada nuvem; ou quantos anos ainda faltava para eu poder ir na zona...
Entrei na loja de brinquedos com estes olhos chegados do além. E foi com eles que vi os presentes que agora ficam no lugar das bolinhas e bilboquês:
Gorilla Attack, Guerreiros da Morte, Parque do Tubarão, Gun-Bot, Sexta Treze, Dinosaur-Bot, Die Cast Metal, Rob-T Trop, Attack Tix, Action Man Atom, Piranha Assassina, Super Ninja Set, Aerial Attack...
A mensagem é clara: desenhada em cada caixa de brinquedo, há uma natureza monstruosa que precisa ser combatida, subjugada; há um mercado que oferece a excitação como tática de venda. Um mercado ciente de que só a excitação do medo alivia o fardo de uma vida sem sentido.
Dei meia volta. Na parede que dá para a porta de saída, a pintura de um aviãozinho, em um céu de anil, puxava uma faixa onde se lia: Paz!
Paz? Estávamos mais perto dela quando mais próximo dos peões e telefones de latinhas de extrato de tomate.
A infância é quando o jogo sério da inocência precisa ser jogado com todas as forças. A sociedade que não percebe isso ou que instrumentaliza suas crianças para propósitos pouco confessos, está criando problemas. Criança medrosa é adulto covarde. Criança excitada é adulto violento.
Não podemos ser contraditórios. Não se pode ter gorilas, ninjas e piranhas assassinas na prateleira e mensagens de paz na porta de saída.
Ou você escolhe um ou escolhe outro.
Voltei para casa com os bolsos cheios de bolinhas-de-gude e com a mesma sensação do cientista que fez reviver um mamute nos dias atuais. Bonito! mas, como contextualizá-lo? Que moleque vai brincar de bolinha-de gude com os meus bacuris? Esse mundo ainda está para peões e bilboquês?
Vou apanhar dos meninos, mas vou encarar.
Afinal, com todas as minhas forças, também desejo Paz.
Um forte abraço de ANO NOVO para você e família.
Luiz Eduardo Cheida é médico, Deputado Estadual e Secretário do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Paraná. Premiado pela ONU por seus projetos ambientais é membro titular do CONAMA ( Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Foi prefeito de Londrina e presidente da Comissão de Ecologia da Assembleia Legislativa do Paraná. Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos Rua Desembargador Motta, 3384 - 80430-200 - Curitiba - PRFone (41) 3304-7700.