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Relatório da CPI do Tráfico de Armas foi o maior rastreamento de armas da América Latina

Relatório da CPI do Tráfico de Armas é aprovado

30/11/2006 - 20:17 | comente | imprimir |

 * por Mayra Jucá e Antônio Rangel Bandeira

 

A derradeira queda de braço entre os deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre Tráfico Ilícito de Armas terminou hoje em consenso. Antes da votação, um acordo já garantia a aprovação do Relatório final com 18 propotas, uma a menos das que o documento continha no início das negociações. A proposta vetada, por pressão do Exército, foi a transferência da fiscalização do comércio de armas, munições e explosivos do Exército para a Polícia Federal.


Entre as 18 propostas mantidas, porém, há mudanças significativas como a retirada do dispositivo de disparo das armas de coleção; a manutenção da Resolução 17 da CAMEX, que estabelece a alíquota de 150% para as exportações de armas para os países da América Latina e Caribe; a integração do Sistema Nacional de Armas (Sinarm) ao Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma); o registro das armas das polícias pelo Sinarm; e a marcação da munição vendida para civis.


A reunião que decidiu o texto final a ser votado aconteceu a portas fechadas. Do lado de fora, representantes de diversas religiões, ONGs e parentes de vítimas da violência armada manifestavam-se em favor da aprovação do relatório. A pressão contrária ficou por conta dos deputados ligados ao lobby da indústria de armas e munições e das corporações policiais e militares.

Baseado em dados oficiais, comprovados pela Polícia Federal, o documento da CPI demonstra a falta de controle do Estado sobre suas próprias armas, e a falta de fiscalização do comércio doméstico de armas, e aponta medidas para solucionar o problema. A íntegra do relatório, com mais de 400 páginas, deve ser divulgada amanhã. O relatório incorpora 10 sub-relatórios, entre eles o que foi apresentado no último dia 27 pelo Deputado Raul Jungmann (PPS-PE), sub-relator da Sub-Relatoria de Indústria, Comércio e C.A.C. - Colecionadores, Atiradores e Caçadores.

Maior rastreamento da AL gera dados alarmantes


A Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Tráfico Ilícito de Armas durou quase dois e concluiu sua tarefa fazendo denúncias graves e surpreendentes sobre o desvio de armas para o crime organizado no país. Usando seus plenos poderes de investigação, a Comissão conseguiu que os fabricantes de armas do Brasil (sexto exportador de armas pequenas do mundo) rastreassem 10.549 armas apreendidas na ilegalidade. Foi o maior rastreamento já realizado na América Latina. Para realizar esse trabalho, a Comissão contou com a colaboração do Exército brasileiro e com a assessoria técnica da ONG Viva Rio.

Os resultados são alarmantes: 68% dessas armas foram vendidas pela indústria brasileira para o comércio legal e 18% para o Estado. Das armas vendidas para o comércio, 74% foram vendidas para cidadãos e 25% para empresas de segurança privada (o Brasil conta com 4.264 empresas legalizadas, e 3 vezes mais clandestinas). Isto é, a maioria das armas usadas pelos criminosos vieram de lojas legais, através de “cidadãos honestos” ou de empresas de segurança privada. A investigação comprovou o que diziam os que lutavam pela proibição do

 

 

                                    74% pessoas físicas

 68% Comércio legal

                                    25% empresas privadas [4.264 empr legalizadas e + 12.000  clandestinas]

 

                           71% foram vendidas para as forças de segurança pública

 18% Estado

                       27% para as Forças Armadas

 

  83% das armas apreendidas na ilegalidade são de fabricação brasileira

 

 

comércio de armas durante o referendo popular de outubro passado, e que foram derrotados: que a maior fonte de armas para a delinqüência provêm do comércio legal.


Quanto aos 18% de armas vendidas ao Estado, 71% foram vendidas para as forças de segurança pública, e 27% para as Forças Armadas. Comprovou-se o que já se suspeitava: policiais corruptos vendem armas para o crime organizado no Brasil, como o filme “Cidade de Deus” já mostrava.


Outra descoberta da Comissão de Inquérito foi que grande número das armas apreendidas com bandidos foi originariamente vendido para militares e policiais para uso privado. Descobriu-se que uma lei, da época do regime militar, dá a militares e policiais o privilégio de comprar, de 2 em 2 anos, até 3 armas, diretamente das fábricas, a preço de custo, além de farta munição. Ao final de 6 anos, um militar ou policial acumula até 12 armas novas e grande quantidade de munição, comprada a preço de custo. Muitos acabam vendendo, e esse armamento vai armar a criminalidade. A Comissão considera essa lei incompatível com a democracia, e exige sua revogação.


A Comissão comprovou que 14% das armas brasileiras apreendidas pela polícia no Brasil tinham sido previamente exportadas para o Paraguai, e daí voltaram para o crime organizado no Rio de Janeiro.


A Comissão também levantou o perfil de 146.663 armas apreendidas no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, e concluíu que 83% das armas apreendidas na ilegalidade são de fabricação brasileira, e não armas importadas, demonstrando a importância decisiva de controlar os desvios de armas dentro do país. Quanto ao contrabando, revelou-se que se faz principalmente por 3 rotas: armas vindas do Paraguai, passando pela Argentina e entrando pelo sul do Brasil; armas vindas da Europa pelo porto holandês de Roterdam, passando por Suriname, ex-colônia holandesa, e daí penetrando no Brasil; e armas vindas dos Estados Unidos, via Panamá e México.

A combinação entre a proliferação de armas e a corrupção policial explica em grande parte porque o Brasil tem a maior taxa absoluta de mortes por arma de fogo do mundo: cerca de 100 mortos por dia, mais que nas guerras do Iraque e do Afeganistão.

Para baixar o Relatório (clique aqui)