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Material organizado por Marcelo Rezende Gumarães – membro da ONG    Educadores para a  Paz.

Educadores para a paz: identidades e caminhos

A Campanha Global de Educação para a Paz, lançada em Haia em 1999, na firme convicção de que não haverá paz no mundo sem educação para a paz, possui dois objetivos básicos. Em primeiro lugar, criar reconhecimento público e suporte político para a introdução da Educação pela Paz em todas as esferas da educação, incluindo a educação não formal. Em segundo lugar, promover a formação de educadores para que possam implementar a educação para a paz. Neste sentido, a Campanha entende que a educação para a paz se concretiza especialmente através de pessoas capacitadas para tal, que são seus construtores e responsáveis diretos. Na realidade em que nos situamos, de conflitos e violência, a formação de educadores para a paz é uma contribuição para o patrimônio ético das comunidades onde vivemos, assegurando multiplicadores da cultura e educação para a paz.

Mas o que caracterizaria os educadores para a paz? Talvez uma resposta a esta pudesse começar a ser pensada através das três grandes áreas de atuação em vista da paz e de uma cultura de paz: a pesquisa, a ação e a educação para a paz. A pesquisa trabalha com a produção de conhecimento científico em vista da implementação de uma cultura de paz: neste sentido, o pesquisador para a paz busca a paz através da ciência. A ação pela paz situa-se mais num nível político: o ativista para a paz incide sobre os canais e práticas de uma sociedade, criticando determinados posicionamentos, propondo outros. Mas a paz necessita, além da ciência e da política, um outro instrumental: a educação. Esta trabalha mais com as referências que constituem uma sociedade: os valores que contam, os centros de interesse, os critérios de julgamento, enfim, aquele conjunto de referenciais que orientam as pessoas e grupos em suas opções e práticas. Desta maneira, o educador para a paz é aquele que ajuda as pessoas e suas organizações no nível da informações e valores.

            Uma das características da educação é sua intencionalidade. O educador é aquele que deseja intencionalmente agir e, por isso, organiza o processo educativo. Neste aspecto, o educador para a paz é alguém que possui uma intencionalidade: quer ajudar as pessoas a refletirem sobre a paz, a se posicionarem sobre esta temática, a despertarem para esta problemática. É claro que educação está sendo entendida aqui como mais além do ensino, abrangendo tanto o aspecto formal como o não-formal. Entende-se como educador, não apenas o professor, mas todas as pessoas que exercem uma atividade pedagógica intencional e organizada. Neste sentido, poderíamos elencar entre as intenções e propósitos da educação para a paz os seguintes itens:

a)    Criar referenciais não-violentos. Trata-se de ajudar as pessoas a se moverem no paradigma da cultura de paz, criando e organizando referenciais que se regulam por este mesmo paradigma, mudando a antigo ditado da paz (“se queres a paz, prepara-te para a guerra”) para “se queres a paz, prepara-te para a paz”.

b)    Fortalecer conexões comunitárias. Isto é, contribuir para inserir pessoas e grupos no quadro global da humanidade que caminha para a paz e fazendo repercutir para o seu cotidiano aquilo que é a busca das pessoas comprometidas com a paz no mundo.

c)    Formar consenso para a paz.A educação para a paz como um espaço de debate, diálogo e negociação para que a humanidade opere um consenso em torno da paz, como operou, por exemplo, em torno dos direitos humanos. Como muito bem afirmou Joddy Willians, Prêmio Nobel da Paz 1997 por seu trabalho para a eliminação das minas terrestres: “A paz já não é uma expressão da vontade dos poderosos, mas uma expressão da vontade coletiva de se viver em paz. Todos juntos somos uma superpotência!”.

d)    Capacitar pessoas para mudanças pela paz. As pessoas desejam a paz, mas na maioria das vezes, não sabem como contribuir para ela. Daí a necessidade de descobrirem seu poder para a paz – a paz não é apenas responsabilidade dos governantes ou da ONU – e os caminhos de sua contribuição, o que cada um pode concretamente fazer em seu ambiente.

e)    Promover justiça e o fim das desigualdades sociais. Mais do que ausência de guerra ou de violência, a paz é a presença de justiça, isto é do quadro onde as pessoas, individual e grupalmente, desenvolvem suas potencialidades somáticas e mentais.

f)     Oportunizar vivências plurais, para além dos preconceitos e estereótipos.A cultura de violência, como construção humana, se fundamenta nos preconceitos e estereótipos que produz. O reconhecimento e a crítica a ambos – e à sua força de falsear a realidade – constituem um passo importante para a solidariedade e cidadania mundial. Daí a necessidade das pessoas poderem fazer vivências de convivência na diversidade e na pluralidade.

g)    Instrumentalizar para a resolução não-violenta de conflitos. Tradicionalmente, o conflito costuma ser encarado como algo ruim e negativo. No entanto, o conflito não é, em absoluto, obstáculo a uma cultura de paz. Para construir uma cultura de paz é preciso mudar atitudes, crenças e comportamentos, até se tornar natural resolver os conflitos de modo não violento (por meio de acordos) e não de modo hostil.

h)    Ajudar a lidar com a agressividade. Há uma diferença entre agressividade e violência. A agressividade constitui-se a força vital de cada pessoa, necessária para superar os obstáculos e limitações do cotidiano. A sua ausência provoca passividade. O importante, então, é trabalhar esta energia de forma construtiva, diminuindo o potencial de agressão.

i)      Desenvolver uma crítica à cultura de violência. Trata-se de fortalecer uma atitude crítica a esta cultura de violência que nos é imposta, fornecendo instrumental para perceber como a violência e o militarismo atuam em diversos canais, como, por exemplo, nos meios de comunicação, brinquedos e jogos de guerra.

Três aspectos parecem constituir a identidade do educador para a paz. Em primeiro lugar, um educador para a paz é aquele que age metodologicamente numa unidade meios/fins, privilegiando o vivido sobre o enunciado. A pedagoga argentina Alicia Fernandez, em seu livro “A inteligência aprisionada”, traz o testemunho de uma estudante que denuncia sua professora dizer gritando que ela não deve gritar, negando na prática aquilo que é afirmado no discurso. O pacifista norte-americano Abraham Muste insistia em afirmar que “não existe caminhos para a paz, a paz é o caminho”, retomando a convicção gandhiana de que os meios são embriões dos fins e os fins estão embutindo nos meios.

Em segundo lugar, um educador para a paz é aquele anima/organiza/incentiva círculo de cultura de paz, agindo comunitariamente. Ele sabe que a paz é mais do que a soma de indivíduos em paz: que um indivíduo em paz mais outro indivíduo em paz não nos fornece uma comunidade em paz. E que, por essa razão, é necessário trabalhar comunitariamente. Nenhuma pessoa, atividade, ou nível da sociedade é capaz de planejar e transmitir a paz por si só. Tudo está vinculado, tudo se afeta mutuamente. A construção da paz apóia e fortalece as relações interdependentes necessárias para as mudanças desejadas.

Finalmente, um educador para a paz é aquele insere-se no grande movimento pela paz, participando ativamente de uma ou mais de suas áreas de atuação: cultura de paz, direitos humanos, resolução de conflitos, desarmamento e segurança humana. Ele tem a visão de conjunto e de cidadania, atuando articuladamente com as forças de mudança social. Sabe que para além das dimensões pessoais e comunitárias, é necessário também intervir no nível das políticas públicas. Tem consciência de que não basta apenas cada um fazer sua parte ou criar comunidades autênticas de paz, mas que se faz necessário incidir sobre o público, a fim de que possamos ter arranjos sociais que favoreçam as pessoas e as comunidades na linha de uma cultura de paz.